A questão do poder e alguma esquerda …e também direita

O acordo entre o PS e o Bloco para a Câmara de Lisboa continua a ser uma fonte de notícias nos jornais diários. Isto por si não teria nada de mal, afinal trata-se de um acordo inédito entre duas forças, em muitos aspectos, com propostas, práticas e programas políticos, muito distintos e opostos.

Mas as notícias têm um denominador comum. Todas elas extrapolam para um acordo, em 2009 ou mais tarde, um dia qualquer, se o PS não conseguir a maioria absoluta. Este teria sido o primeiro passo, segundo eles.

O jornal Público oferece mesmo um quarto de página, a um quase desconhecido, movimento político de extrema-esquerda, “Política Operária”, para chamar de “O acordo da vergonha” o entendimento entre o PS e o Bloco.

Vejo conjugar-se na mesma apreciação sobre o acordo e sobre os seus efeitos, pessoas de direita e pessoas de uma esquerda de “contra-poder”. Ambas as opiniões bradam contra uma “deriva de direita” que visa guiar o Bloco para dentro da área governativa, oh céus!…

Eu na minha santa ignorância penso que a ambição dos partidos é conquistar o poder, para governar o país e cumprir opções de vida, modelos de sociedade, na lógica dos interesses que norteiam cada um deles.

Estar de fora, do chamado “arco do poder”, apenas na resistência, no contra-poder, a defender os nossos interesses, os interesses dos outros mais desfavorecidos, é uma luta necessária, importante, mas por si só é inglória, desgastante, desmotivante e desistente. E claro … também com fracos resultados para quem mais precisa.

A Esquerda a sério não deve temer assumir responsabilidades. Não deve temer confrontar políticas, propostas, ideias, práticas. É assim que conquistará a confiança das pessoas, dos mais pobres, é assim que ganhará credibilidade. Um partido que não almeje a conquista ou a partilha do poder não é um partido político. É um sindicato, uma associação é outra coisa qualquer.

Esta lógica de pessoas da direita que criticam o Bloco por “correr por fora”, mas que criticam também, por querer, justamente, “correr por dentro” não tem sentido, é uma artimanha, é o medo de contaminação das propostas políticas de esquerda, na sociedade portuguesa.

De igual modo, também aquela esquerda, que teme assumir o confronto em questões melindrosas, é uma esquerda que não tem confiança no projecto político, na força das ideias, não tem confiança nos dirigentes políticos, nos militantes, na organização, no povo, não tem confiança, enfim e em última análise, na possibilidade da conquista suprema de uma sociedade mais justa, mais solidária … uma sociedade socialista.

Uma nota: estou novamente de férias e por isso com menos tempo por aqui

02 – Cantiga do fogo e da guerra

Há um fogo enorme no jardim da guerra
E os homens semeiam fagulhas na terra
Os homens passeiam co´os pés no carvão
que os Deuses acendem luzindo um tição

Pra apagar o fogo vêm embaixadores
trazendo no peito água e extintores
Extinguem as vidas dos que caiem na rede
e dão água aos mortos que já não têm sede

Ao circo da guerra chegam piromagos
abrem grande a boca quando são bem pagos
soltam labaredas pela boca cariada
fogo que não arde nem queima nem nada

Senhores importantes fazem piqueniques
churrascam o frango no ardor dos despiques
Engolem sangria dos sangues fanados
E enxugam os beiços na pele dos queimados

É guerra de trapos no pulmão que cessa
do óleo cansado que arde depressa
Os homens maciços cavam-se por dentro
e o fogo penetra, vai directo ao centro

Letra: Sérgio Godinho
Música: José Mário Branco
Álbum: Mudam-se os tempos mudam-se as vontades